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Religião e Sexualidade: uma relação íntima
"As relações entre a religiosidade e a sexualidade, em parte conscientes, em parte inconscientes, às vezes diretas, às vezes indiretas, são cada vez mais extraordinariamente íntimas". Este pensamento de Max Weber poderia ser uma excelente epígrafe para o livro "Sexualidade, família e ethos religioso". A coletânea, organizada por Maria Luiza Heilborn, Luiz Fernando Dias Duarte, Clarice Peixoto e Myriam Lins de Barros, reúne 12 ensaios que possuem um denominador comum: revelam a tensão entre a crescente individualização em nossa cultura e as normas e valores presentes em diferentes religiões brasileiras.
Os textos são distribuídos em três partes: sexualidade, família e geração; sexualidade e ethos religioso e, por fim, sexualidade e geração em uma perspectiva comparada. Neles, os autores analisam pesquisas que revelam a realidade de diferentes regiões brasileiras e de outros países da América Latina. Ao trazer pesquisas com adultos e jovens de diferentes religiões, o livro permite uma visão comparativa que leva em conta variáveis como gênero, geração, classe social, entre outras.
Dentre as inúmeras questões abordadas, algumas merecem atenção especial por serem mais recorrentes nos textos. Uma delas diz respeito à vivência da sexualidade pela juventude brasileira. Neste tópico, vale ressaltar os diferentes comportamentos e visões de homens e mulheres a respeito de virgindade, iniciação sexual, gravidez na adolescência, planejamento familiar, aborto e contracepção Os dados apontam que a adolescente ainda é a principal responsável pelo uso de métodos contraceptivos, pela decisão de levar ou não adiante uma gravidez inesperada e, também, pelos cuidados com o filho. Permanece, entre os jovens, a clássica divisão sexual do trabalho, cabendo à mulher os cuidados do lar e dos filhos e ao homem as responsabilidades financeiras pela nova família. A oposição entre dependência da família de origem e autonomia dos jovens é trabalhada em vários artigos, que revelam os problemas existentes no momento de uma gravidez na adolescência e as possíveis e diferentes soluções encontradas pelos jovens e suas famílias. Experiências sexuais e conjugais de jovens e adultos surgem, revelando o que mudou e o que permaneceu o mesmo na sociedade brasileira nas últimas décadas e a importância da religião nestas mudanças. Outra discussão interessante diz respeito às tensões entre experiência religiosa e o exercício de práticas homossexuais, gerando idéias como "libertação" e "cura" da homossexualidade e a busca de "levar uma vida normal".
Alguns dados são fundamentais para compreender o processo de crescente individualização no Brasil combinado à busca de adesão e pertencimento religioso: o aumento do número de indivíduos pertencentes às religiões evangélicas e dos que se declaram sem religião, e a queda no número de católicos. O quadro geral, como mostra Fabíola Rohden, marca "um pluralismo inédito no campo religioso e, no plano dos adeptos, uma mobilidade e um trânsito também jamais notados". Como este mercado religioso plural se relaciona com as práticas sexuais dos brasileiros, particularmente dos jovens pesquisados? É principalmente sobre esta nova e complexa situação social que os autores se propõem a pensar e levantar questões.
Os textos apontam um fenômeno interessante: o pertencimento a uma religião não implica necessariamente a obediência aos ditames doutrinários ou pastorais. Como afirma Luiz Fernando Dias Duarte, "ao mesmo tempo em que cada religião continua a moldar as pessoas à sua maneira de ser, cada vez mais pessoas parecem acreditar que devem escolher a religião melhor adaptada à maneira de ser da pessoa".
Ao tratar de sexualidade, família e religião, os autores na verdade abordam relações sociais que envolvem poder, hierarquia, diferentes expectativas e significados sociais. Este é um campo privilegiado para compreender a cultura brasileira, particularmente no que diz respeito à dupla moral sexual ainda vigente. Campo que permite discutir normas e valores sociais em contraste com as práticas efetivas dos sujeitos pesquisados e, também, pensar o que é considerado normal e o que é percebido como desviante (ou patológico) em nossa cultura no que diz respeito à sexualidade.
Como diz a apresentação, "este livro, ao reunir trabalhos que se originam de áreas de investigação diversas, mas possuidoras de uma problemática comum, busca responder a inúmeras indagações acerca das recentes transformações sociais entre organização e dinâmica familiares, experiência da sexualidade e ethos religioso. O intuito é estimular o debate, reinventar objetos, propor novas perguntas, convidando outros olhares a se dedicarem à inter-relação entre família, religião e sexualidade". Intuito plenamente cumprido em uma coletânea repleta de análises sofisticadas, baseadas em diferentes e ricas pesquisas qualitativas e quantitativas.
Mirian Goldenberg – Doutora em Antropologia Social e professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia e do Departamento de Antropologia Cultural do IFCS/UFRJ. www.miriangoldenberg.com.br