Igualdade de gênero no sistema nervoso
2007
Igualdade de gênero no sistema nervoso Estudos mostram que, além dos neurônios, as células gliais também processam informações | |||||||||
No final do século 20 a situação começou a mudar. Emergiu entre os neurocientistas um "movimento de libertação" das células da glia: os experimentos foram mostrando uma infinidade de funções que elas exercem no sistema nervoso: cuidam da defesa contra microrganismos e lesões de várias estirpes, produzindo reações inflamatórias como faz o sistema imunitário no resto do organismo; regulam o suprimento sangüíneo dos locais com maior atividade funcional; funcionam como células-tronco em alguns locais específicos; capturam os aminoácidos excitatórios em excesso, prevenindo a ocorrência de toxicidade sobre os neurônios; ajudam a posicionar os neurônios durante o desenvolvimento e a orientar as fibras nervosas a achar os alvos certos; e muito mais. Uma avaliação ligeira da literatura científica até 2006 indica cerca de 25 funções diferentes exercidas por essa comunidade operosa de células neurais, o que abala bastante o dogma da glia como cola, como suporte, infra-estrutura. No entanto, falta o tiro de misericórdia: quebrar a noção de que os neurônios são as únicas células inteligentes do sistema nervoso. Quer dizer, faltava. Neurônios inteligentes, gliócitos também Um dado intrigante chamou a atenção de diferentes grupos de pesquisadores, entre os quais o grupo liderado por Vivaldo Moura-Neto e Antonio Carlos Campos de Carvalho, respectivamente do Instituto de Ciências Biomédicas e do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Eles puderam comprovar que os neurônios conversavam com as células gliais através de contatos especiais chamados junções comunicantes, transmitindo uns aos outros sinais elétricos e químicos. As células gliais não eram apenas donas de casa, conversavam de igual para igual com os "chefes da família", os neurônios. Mas as células gliais permanecem menos iguais que os neurônios, como diria o escritor inglês George Orwell, porque a conversa através das junções comunicantes não tem a mesma sofisticação que a comunicação por meio das sinapses.
O conceito que emergiu dessas descobertas é que o sistema nervoso é formado por uma rede polivalente de neurônios e células gliais, dotada de potente capacidade de processamento de informação e ainda de plasticidade, ou seja, capacidade de se adaptar às mudanças impostas pelo ambiente externo. Nada mais compatível com os tempos da modernidade: igualdade de gênero também no sistema nervoso. Mas ainda resta algo a conquistar: diferentemente dos neurônios, as células gliais até o momento se mostram incapazes de gerar sinais elétricos, os impulsos nervosos de condução rápida que constituem as unidades de código da linguagem do cérebro. Conseguirão os neurocientistas chegar ao limite da inclusão?
Roberto Lent |