Em Copacabana, ataques não afetaram a rotina dos turistas
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Pouco antes das 15h de ontem, os biólogos Miriam Perilli e Felipe Fernandes, ambos de Belo Horizonte, desfrutavam de cerveja e letras no quiosque Rainbow, no calçadão da praia de Copacabana. Ela folheava "Cem Sonetos de Amor", do poeta chileno Pablo Neruda. Ele, "A Arqueologia do Saber", do filósofo francês Michel Foucault. Violência? "Não, não me preocupa", disse Fernandes.
A passeio no Rio de Janeiro, os colegas souberam da barbárie por uma amiga que telefonou de Minas Gerais.
Na mesa vizinha, a professora inglesa Elena tudo ignorava, tal como sua companheira de viagem, a irlandesa Naomi. "Aqui em Copacabana desconhecemos isso", contou Elena.
As turistas bebiam água no coco, não quiseram informar os sobrenomes nem se interessaram em saber sobre as mortes e os ataques na capital fluminense noticiados até então.
O engenheiro americano Michael Earnest sabia do que estava acontecendo desde o café da manhã no hotel. Sozinho com a lata de cerveja, comentou: "Em Copacabana e Ipanema eu vejo muitos policiais. Pode haver problemas em outros lugares, não por aqui".
Do outro lado da rua, mãe e filho, de Brasília, posavam junto à estátua do colunista social Ibrahim Sued, diante do Copacabana Palace. Brasileira que presta serviços em uma embaixada estrangeira, Isabel se dizia tranqüila -mas não a ponto de revelar seu nome completo: "É perigoso aqui no Rio apenas para quem é rico".
Se considerar o que se passou ontem, ocorre o contrário: os mortos não bombaram na Bolsa em 2006; e, se Copacabana seguia seu ritmo normal como o relógio que conta os dias para o Pan, a vida de quem vive longe da orla se complicou.
No entorno da estação Central do Brasil, a garota de 16 anos que trabalha em uma casa lotérica se angustiava com o retorno para casa, no bairro de Bangu, onde ônibus haviam sido queimados. Ela sairia depois das 20h e iria de trem, mas temia a incerteza.
Às 15h20, um trem parou por cinco minutos na estação de Bangu para evitar a região de Senador Camará, em cuja vizinhança acontecia um tiroteio. Em seguida, os telefones da Supervia (empresa que administra o sistema férreo no Rio de Janeiro) congestionaram com gente aflita por informações.
Sem sobrenome
A funcionária estadual Delcídia, "com medo de vandalismo", voltou de trem (pela passagem pagou R$ 1,90) e não de ônibus (R$ 2,00). O servidor federal Joel, morador de Nilópolis, na Baixada Fluminense, imitou-a. Sinal dos tempos de desconfiança, eles também "perderam" os sobrenomes. Por dia, 95 mil embarcam na Central do Brasil.
Encostada na grade da estação, acarinhando os tererês (trancinhas), a prostituta Janaína lamentava: até as 16h30 ela costuma atender a quatro fregueses (cobra entre R$ 20 e R$ 40). Ontem só apareceram dois. "Com esse clima, o pessoal está com medo até de entrar no hotel", contou Janaína. "É como um cliente me disse há pouco: "Eu sabia que isso não ia ficar só em São Paulo"."