Todo jovem tem capacidade de decidir pela vida que deseja ter e o direito de dar significado a ela.
A visita do Papa ao nosso país está mobilizando toda a comunidade católica brasileira, com ampla repercussão na mídia. Em decorrência disso, em março e abril de 2007, alguns jovens de diversos movimentos sociais de juventude (étnico/racial, cultural, religiosa, político-partidária, gênero e diversidade sexual) se reuniram para elaborar um documento, para manifestar ao Papa e à nossa sociedade o quão prejudiciais e impactantes são para as/os jovens as rígidas posições da hierarquia católica sobre a sexualidade . Tais posições provocam sérias conseqüências sobre os direitos sexuais e reprodutivos de toda a população, até mesmo para quem não segue o catolicismo. Estamos nos referindo às concepções católicas que condenam o uso de anticoncepcionais e camisinha, a diversidade sexual, o sexo por prazer e antes do casamento, o aborto, entre outras. Um dos segmentos mais atingidos por esse pensamento católico é o das/dos jovens, que representam cerca de 22% da população brasileira [1].
O padrão moral valorizado pela sociedade, com base em concepções fomentadas pela hierarquia católica, é o heterossexual cristão, branco e adulto. Além disso, essa hierarquia ainda dita normas que determinam que o sexo seja somente praticado dentro do casamento e com finalidade exclusiva de reprodução. Assim, tudo o que foge desse padrão acaba sendo estigmatizado, malvisto, desvalorizado e excluído. De forma geral, as religiões podem ajudar as pessoas a superar dificuldades e a dar sentido para suas vidas, mas essas idéias especificamente geram preconceito, exclusão, discriminação e violência; ou seja, pecado.
Essa postura também atinge as mulheres, que reiteradamente são colocadas em situação de inferioridade. O papel que é imposto às mulheres como destino – o de esposa e mãe, baseado numa condição biológica determinista – as mantém em situação de vulnerabilidade. Nesse quadro, também se deve levar em conta a proibição pela igreja católica do uso do preservativo e anticoncepcionais, o que resulta em gravidez sem planejamento e também no aumento do índice de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis (incluindo a aids), o que atinge principalmente as jovens, as pobres e as negras.
Afirmamos que, a legalização do aborto deve ser discutida com urgência por toda a sociedade, haja vista que o aborto clandestino, hoje, representa a quarta causa de mortalidade materna no Brasil, o que, como sempre, afeta mais as mulheres pobres. Consideramos que a interrupção de maneira legal e segura de uma gravidez não desejada tem de ser direito da mulher, que deve ter autonomia sobre seu próprio corpo. Direito este exercido pela própria "mãe da Igreja", quando, conscientemente, teve a liberdade de dizer "sim".
Gostaríamos também de ressaltar que repudiamos a condenação da diversidade sexual (LGBTT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) pela igreja católica, o que vem perpetuando a discriminação e a violência contra esse segmento da população. Diante disso, a igreja católica, na pessoa do Papa, tem sido oficialmente incoerente com a máxima do Cristo: "Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância" (Jo 10, 10).
A junção desses fatores culturais/sociais – sexistas, homofóbicos e racistas – que a igreja católica fomenta, promove a manutenção de um sistema excludente e desigual, que é justamente a base do capitalismo. Vivemos em uma sociedade que necessita da desigualdade para a sua manutenção, já que nem todos podem ter a mesma quantidade de riquezas e oportunidades. Entendemos que uma igreja que prega o amor ao próximo e a fraternidade como valores essenciais, não pode estar na contramão da busca da igualdade, logo, não deveria promover idéias que geram preconceitos. Exigimos que a igreja católica, em um processo de conversão institucional, volte-se a sua missão já proclamada na América Latina há alguns anos: "Opção preferencial pelos pobres"!
A capacidade de construir as regras morais, que regulam a convivência social, é uma característica dos seres humanos, mas elas podem – e devem! – ser elaboradas a partir de convivência pacífica e consensual, não sendo admissível que sejam impostas.
O Estado é responsável pelas políticas públicas necessárias para a vivência saudável e autônoma da sexualidade, mas se ele se pautar pelas posições da igreja católica, ou de qualquer outra igreja ou religião, estará negando um princípio democrático fundamental. Dessa forma, inclusive, impede a pluralidade religiosa, pois cria privilégios para algumas religiões em detrimento de outras. O Estado tem o dever de garantir a liberdade de expressão das diversas crenças religiosas que existem no país, caso contrário, estará fomentando o preconceito quanto a credos religiosos não majoritários, como ocorre com as religiões de matrizes africanas (candomblé e umbanda). Assim, reiteramos que é necessário reafirmar o Estado Laico como uma das condições para um Estado democrático e que, para as igrejas e religiões, cabe a necessidade de se compreender o caráter missionário e evangélico do macro-ecumenismo, para que em um mundo tão individualista e em guerras, de fato, todos sejamos um.
Com este manifesto, queremos que o Papa, os demais membros da hierarquia católica e toda a sociedade nos ouçam, nos vejam e, finalmente, nos respeitem, promovendo as mudanças necessárias e urgentes em suas posições que nos permitam viver em um mundo mais justo, fraterno e igualitário.
E se você, que é jovem como nós, também sente o quanto essas incoerências afetam a sua vida, saiba que não está sozinho/a. Questionamos as posições da igreja católica, mas não queremos negar a crença de ninguém, mas, sim, reafirmar nosso direito universal à autonomia e a uma vida plena, prazerosa e sem violência ou discriminação. Somos jovens decididos a decidir, a partir de nossa experiência encarnada, contra as normas violentas que nos são impostas, mas fielmente ligados/as a uma espiritualidade, ou práticas sociais, que nos libertam e nos têm tornados mais felizes.