O famoso livro de Dover é publicado em português.
Lembrem-se que quando o filme Alexandre foi lançado um grupo de advogados gregos ameaçou processar Oliver Stone e a Warner, por mostrar "uma fantasia" como se fosse história.O diretor atribuiu a este moralismo o fracasso de bilheteria do fime nos EUA fora de lá ele foi mais bem sucedido).
Abs, Cecília
Folha de São Paulo, 17/06/2007, Mais!, . 9
Um assunto DE HOMENS
Obra pioneira defende que a homossexualidade na Grécia Antiga decorreu da vida
militar e da segregação social das mulheres
PEDRO PAULO A. FUNARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há quase 30 anos, o classicista britânico Kenneth Dover [1920] publicava este
que viria a se tornar um clássico. Antes que o tema das relações de gênero se espraiasse entre os historiadores, antes de Michel Foucault [1926-84] publicar sua monumental "História da
Sexualidade" [ed. Graal], um estudioso das letras gregas ousava tratar desse
tema tabu. Dover já se havia notabilizado, em 1960, no estudo da ordem das palavras em
grego antigo! Continuou a dedicar-se, nos anos seguintes, a temas literários.
Foi com a publicação do volume sobre a homossexualidade, em 1978, que seu nome
transcendeu os departamentos de letras clássicas para atingir uma popularidade
talvez inesperada pelo próprio autor.
No explodir das identidades sexuais, a partir da década de 1960, este livro veio
preencher uma lacuna, ao mostrar como a sexualidade antiga era diferente da
moderna.
Dover não faz uso de teorias para abordar o tema. Não se aventura nas leituras
antropológicas das diferenças de costumes entre os povos nem se atreve a adotar
uma perspectiva teórica. Procura, ao invés disso, esmiuçar as fontes antigas, tanto literárias quanto arqueológicas, na ânsia de descrever, da maneira mais exaustiva possível, como
os gregos mantinham relações sexuais com pessoas do mesmo sexo.
Por isso mesmo, resigna-se a tratar pouco das mulheres.
Erudito e acessível
Ressalta que a arqueologia fornece informações que não são mera ilustração da
literatura, mas que pinturas e inscrições constituem fontes independentes.
Apesar de erudito, pleno de análises do vocabulário grego, a leitura é
agradável e acessível.
A tese central é a de que o eros (desejo) se exercia numa oposição entre o que
deseja ("erastés") e o que é desejado ("erômenos"), termos que se aplicavam
para um homem e uma mulher ou entre duas pessoas do mesmo sexo.
Aliás, Dover lembra que todas as palavras para o amor e para a sexualidade
tinham essa função independentemente do sexo dos envolvidos.
Identifica o que deseja como o que penetra e o desejado com o que é penetrado e
considera que os gregos nada objetavam a um homem que fosse ativo, mas não
aceitavam que fosse passivo senão quando criança ou adolescente. Mesmo nesse
caso, pensa que os gregos não admitiam que um jovem tomasse a iniciativa do
sexo passivo.
Se isso ocorresse, o homem submisso seria punido pela cidade, por falta de
controle sobre si mesmo ("húbris").
A penetração era sempre positiva para o homem, ser penetrado era aceito, sempre
que fosse um jovem a ser educado por um adulto e sem a sua iniciativa. De onde
viria tal tolerância -para usar uma palavra empregada por Dover- para com as
relações de homens com homens?
Aventa a hipótese de que isso estivesse ligado à segregação das mulheres e à
vida militar masculina. Satisfaria uma necessidade de relações pessoais com uma
intensidade que não era encontrada no casamento.
Como resistem esses argumentos, após décadas de teoria de relações de gênero? Um
dos pilares da argumentação de Dover consiste na censura da cidade grega ao
desejo por parte do jovem passivo, mas no postscriptum de 1989, publicado ao
final do livro, ele admite que subestimou as evidências.
A questão central, contudo, é outra.
Dover parte do conceito antigo de respeito à norma ("nomos"), como se as
pessoas, na Grécia Antiga ou em qualquer época e sociedade, respeitassem ou
tivessem como horizonte para seus comportamentos as regras.
Essa perspectiva, chamada hoje de normativa, tem sido muito criticada, pois
considera que tudo que saia da norma é um desvio de comportamento e que a
sociedade é homogênea. Se aceitarmos que os comportamentos sociais são muito
mais variados do que quaisquer normas (e que as normas são contraditórias!),
tudo fica mais matizado.
Essas são ponderações posteriores à publicação da obra e não podem ser dela
cobradas. O seu mérito maior foi reunir uma documentação volumosa, e, por isso
mesmo, o livro continua uma referência.
PEDRO PAULO A. FUNARI é professor titular de história antiga na Universidade
Estadual de Campinas (SP).
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HOMOSSEXUALIDADE NA GRÉCIA ANTIGA
Autor: Kenneth Dover
Tradução: Luís S. Krausz
Editora: Nova Alexandria
(tel. 0/xx/11/ 6215-6252)
Quanto: R$ 65 (350 págs.)
Um assunto DE HOMENS
Obra pioneira defende que a homossexualidade na Grécia Antiga decorreu da vida
militar e da segregação social das mulheres
PEDRO PAULO A. FUNARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há quase 30 anos, o classicista britânico Kenneth Dover [1920] publicava este
que viria a se tornar um clássico. Antes que o tema das relações de gênero se espraiasse entre os historiadores, antes de Michel Foucault [1926-84] publicar sua monumental "História da
Sexualidade" [ed. Graal], um estudioso das letras gregas ousava tratar desse
tema tabu. Dover já se havia notabilizado, em 1960, no estudo da ordem das palavras em
grego antigo! Continuou a dedicar-se, nos anos seguintes, a temas literários.
Foi com a publicação do volume sobre a homossexualidade, em 1978, que seu nome
transcendeu os departamentos de letras clássicas para atingir uma popularidade
talvez inesperada pelo próprio autor.
No explodir das identidades sexuais, a partir da década de 1960, este livro veio
preencher uma lacuna, ao mostrar como a sexualidade antiga era diferente da
moderna.
Dover não faz uso de teorias para abordar o tema. Não se aventura nas leituras
antropológicas das diferenças de costumes entre os povos nem se atreve a adotar
uma perspectiva teórica. Procura, ao invés disso, esmiuçar as fontes antigas, tanto literárias quanto arqueológicas, na ânsia de descrever, da maneira mais exaustiva possível, como
os gregos mantinham relações sexuais com pessoas do mesmo sexo.
Por isso mesmo, resigna-se a tratar pouco das mulheres.
Erudito e acessível
Ressalta que a arqueologia fornece informações que não são mera ilustração da
literatura, mas que pinturas e inscrições constituem fontes independentes.
Apesar de erudito, pleno de análises do vocabulário grego, a leitura é
agradável e acessível.
A tese central é a de que o eros (desejo) se exercia numa oposição entre o que
deseja ("erastés") e o que é desejado ("erômenos"), termos que se aplicavam
para um homem e uma mulher ou entre duas pessoas do mesmo sexo.
Aliás, Dover lembra que todas as palavras para o amor e para a sexualidade
tinham essa função independentemente do sexo dos envolvidos.
Identifica o que deseja como o que penetra e o desejado com o que é penetrado e
considera que os gregos nada objetavam a um homem que fosse ativo, mas não
aceitavam que fosse passivo senão quando criança ou adolescente. Mesmo nesse
caso, pensa que os gregos não admitiam que um jovem tomasse a iniciativa do
sexo passivo.
Se isso ocorresse, o homem submisso seria punido pela cidade, por falta de
controle sobre si mesmo ("húbris").
A penetração era sempre positiva para o homem, ser penetrado era aceito, sempre
que fosse um jovem a ser educado por um adulto e sem a sua iniciativa. De onde
viria tal tolerância -para usar uma palavra empregada por Dover- para com as
relações de homens com homens?
Aventa a hipótese de que isso estivesse ligado à segregação das mulheres e à
vida militar masculina. Satisfaria uma necessidade de relações pessoais com uma
intensidade que não era encontrada no casamento.
Como resistem esses argumentos, após décadas de teoria de relações de gênero? Um
dos pilares da argumentação de Dover consiste na censura da cidade grega ao
desejo por parte do jovem passivo, mas no postscriptum de 1989, publicado ao
final do livro, ele admite que subestimou as evidências.
A questão central, contudo, é outra.
Dover parte do conceito antigo de respeito à norma ("nomos"), como se as
pessoas, na Grécia Antiga ou em qualquer época e sociedade, respeitassem ou
tivessem como horizonte para seus comportamentos as regras.
Essa perspectiva, chamada hoje de normativa, tem sido muito criticada, pois
considera que tudo que saia da norma é um desvio de comportamento e que a
sociedade é homogênea. Se aceitarmos que os comportamentos sociais são muito
mais variados do que quaisquer normas (e que as normas são contraditórias!),
tudo fica mais matizado.
Essas são ponderações posteriores à publicação da obra e não podem ser dela
cobradas. O seu mérito maior foi reunir uma documentação volumosa, e, por isso
mesmo, o livro continua uma referência.
PEDRO PAULO A. FUNARI é professor titular de história antiga na Universidade
Estadual de Campinas (SP).
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HOMOSSEXUALIDADE NA GRÉCIA ANTIGA
Autor: Kenneth Dover
Tradução: Luís S. Krausz
Editora: Nova Alexandria
(tel. 0/xx/11/ 6215-6252)
Quanto: R$ 65 (350 págs.)
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on segunda-feira, junho 18, 2007
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