As eleições e a causa gay nas campanhas  

Postado por Felipe Bruno Martins Fernandes

Fonte: http://diariodenatal.dnonline.com.br/site/materia.php?idsec=2&idmat=175921

Dentre outras curiosidades que se pode destacar nas eleições em Natal, uma chama atenção: nenhum/a dos/as candidatos/as a prefeito ou a vereador da capital apresenta a menor discussão ou propostas para o segmento LGBTT. Até parece que não existem lésbicas, gays, travestis e transexuais na cidade. Nada se fala, nada se apresenta como projetos de políticas públicas municipais para importante segmento de pessoas, cuja maior parte está submetida a exclusões, desigualdades e a silêncios políticos que se exprimem muito bem agora na omissão bem pensada de todos os candidatos.

Em particular, destaco as campanhas das candidatas Micarla de Sousa e Fátima Bezerra, por suas atuações políticas e compromissos públicos assumidos antes em favor do segmento LGBTT. Por diversas vezes, as duas candidatas apoiaram e participaram das edições da Parada Gay em Natal e, torna-se importante acrescentar, a deputada federal Fátima Bezerra é membro atuante da Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual, na Câmara Federal, que, dentre outras lutas, tem defendido o reconhecimento legal das uniões homossexuais e a criminalização da homofobia. Por que, na atual campanha, nos programas de rádio e TV e em outras peças de propaganda eleitoral, as candidatas nada dizem sobre as expectativas de lésbicas, gays, travestis e transexuais quanto a possíveis políticas públicas para o segmento da cidade? Por que as candidatas nenhuma palavra dirigem àqueles cujas lutas pela cidadania plena é hoje mundial e que têm encontrado apoio em
políticos, prefeitos, governadores e presidentes em diversos países?

Por que, em Natal, todos os candidatos cercam de silêncio um tema que fez o Governo espanhol propor e implementar, contra a vontade da Igreja Católica, uma das mais avançadas legislações de direitos gays do mundo e, em campanha pela presidência dos Estados Unidos, Barack Obama se pronunciar favorável aos direitos de americanos LGBTTs? Atualmente, no Brasil, o Governo Federal tem o primeiro programa estatal de combate à homofobia (é o ''Brasil sem homofobia''), convocou e tornou possível a realização da I Conferência Nacional de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais e, mais recentemente, em entrevista a programa de TV, o presidente da República defendeu o reconhecimento legal das uniões homossexuais. Entre outros exemplos, em São Paulo, a candidata Marta Suplicy reuniu uma plenária LGBTT para discussão de seu programa de governo.

Ao que parece, todos os candidatos à prefeitura de Natal, assim como os que pretendem um assento na Câmara Municipal, decidiram (na caça aos votos) conciliar com o conservadorismo social hegemônico na cidade, permanecendo também como cúmplices do preconceito contra LGBTTs, que, dentre outros efeitos, faz do RN um dos estados do país no qual mais se mata gays e travestis. Certamente, por temerem perder votos, acreditando se tratar de tema tabu, ou porque mesmo consideram as homossexualidades algo da ordem de um atributo negativo, os candidatos rebaixam suas campanhas à cumplicidade com o preconceito ignorante, mantendo a cidade, cada vez mais, atolada em atraso cultural, moral, intelectual e político.

Pior: confiando que aqueles mais à esquerda evitariam o discurso familista e religioso (que tem impedido a efetiva existência do Estado laico e não homofóbico no Brasil e impedido igualmente a aprovação de bandeiras históricos do feminismo e do movimento gay, como a legalização do aborto e das uniões gays), o que temos visto, por parte destes também, é a reprodução de ideologia familista conservadora. Alguns se apresentam em verdadeiras caricaturas da família tradicional, ancorada no modelo da família patriarcal e heterossexual, e quem não o pode fazer apresenta-se com sua família, situando-se igualmente no familismo.

Não bastasse esse familismo conservador, temos ainda o discurso religioso. Alguns candidatos se apresentam como fervorosos devotos de santos (canonizados pelo último marketeiro), convenientemente apegados à proteção de um deus aceito por todos (''se deus quiser, serei eleito/a'', ''se deus quiser, farei Natal melhor'', ''o menino Jesus vai ajudar'' ... ou outras patifarias do gênero). Repetindo frases ordinárias, rebaixam a campanha na cidade à ideologia do marketing, por si própria despolitizadora, impedindo a emancipação intelectual, cultural, moral e política da esfera pública da nossa cidade e do país. Contabilizam votos conservadores, sem pudor de cumplicidade com o atraso, a ignorância, o preconceito. Ou estão todos/as convencidos/as que a causa gay é ''causa sem importância'', ''causa secundária'', ''causa sem prioridade'', como outrora certa esquerda (e a direita sempre!) afirmava
em tom de grande verdade política? Na nossa cidade, o conservadorismo saiu ganhando...

''Por que, em Natal, todos os candidatos cercam de silêncio um tema que fez o Governo espanhol propor e implementar, contra a vontade da Igreja Católica, uma das mais avançadas legislações de direitos gays do mundo e, em campanha pela presidência dos Estados Unidos, Barack Obama se pronunciar favorável aos direitos de americanos LGBTTs?''

Alípio de Sousa Filho*
Especial para o poti

Alípio de Sousa Filho - professor da UFRN. Editor da revista Bagoas

This entry was posted on segunda-feira, setembro 29, 2008 .