Uma família brasileira: Casais gays lutam pelo direito de adotar filhos. A história de Theodora é símbolo dessa batalha  

Postado por Felipe Bruno Martins Fernandes

"Aqui dorme a princesa Theodora." A placa pendurada na porta do quarto, com a frase escrita em letras cor-de-rosa, anuncia: aquele território é o reino de uma menina. Ela tem 5 anos, cabelos cacheados, pele morena, gosta de doce de leite e não se cansa de assistir ao filme Shrek. A princesa Theodora mora em Catanduva, a 380 quilômetros de São Paulo, e é estrela de um conto de fadas do século XXI. Nascida em uma família pobre, filha de mãe viciada em drogas e pai alcoólatra, ela foi para um orfanato quando contava 1 ano e 6 meses de vida. Ficou por lá durante três anos, sem nunca ter ido à escola e com poucas perspectivas de deixar a instituição.

Um dia, um casal bateu à porta do abrigo querendo adotá-la. Eram Vasco Pedro da Gama Filho, de 35 anos, e Dorival Pereira de Carvalho Júnior, de 43. Companheiros há 14 anos, homossexuais assumidos, sócios numa escola de cabeleireiros, eles completam o elenco deste conto de fadas diferente: formam a primeira família composta de uma criança e dois homens gays reconhecida oficialmente no país. Theodora ainda é pequena para compreender, mas ela é o marco zero de uma nova estrutura que surge no cenário da família brasileira.

INFÂNCIA
Theodora viveu três anos num orfanato em Catanduva. Hoje, ela brinca com os pais Vasco (de laranja) e Júnior, vai à escola, sabe desenhar sua família (abaixo) e já consegue escrever o próprio nome

Atores de Páginas da Vida comentam o direito de casais gays à adoção

ÉPOCA Online

 

Os atores em cena na novela

Uma característica marcante das novelas de Manoel Carlos é a discussão de temas polêmicos. E Páginas da Vida não foge à regra. Depois de trazer à tona a síndrome de Down, bulimia, preconceito racial e aids, o direito de casais gays à adoção promete esquentar a trama e manter a confortável média de audiência de 47 pontos no Ibope, com picos de 60.

O médico Rubens (Fernando Eiras) e o músico Marcelo (Thiago Picchi) são os personagens dessa história. Na novela, eles já conversaram sobre essa possibilidade e até comentaram o caso do casal gay do interior de São Paulo que recentemente conseguiu a dupla paternidade da filha reconhecida pela Justiça. Na última semana, um jovem homossexual contou sua experiência de ter adotado um filho nos tradicionais depoimentos de anônimos no término de cada capítulo.

A 35 capítulos do final da trama, a história do casal deve ir ao ar em breve e trazer todas as atenções à essa questão. Fernando Eiras e Thiago Picchi conversaram com ÉPOCA Online sobre o direito de casais gays à adoção. Leia os depoimentos dos atores.

FERNANDO EIRAS

Se os filhos de heterossexuais que têm um lar sadio crescem e têm suas livres escolhas, o mesmo acontece com os filhos de homossexuais. O importante é que eles sejam bem conduzidos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já declarou oficialmente em documento há mais de uma década que a homossexualidade não é uma doença e sim uma opção sexual. Acho que precisamos ler outra vez o documento da OMS e refletir mais sobre essa questão.

Acredito que cada caso deve ser bem estudado pela justiça, mas ela precisa ser mais ágil. É um absurdo que uma pessoa fique esperando anos para ver concluído seu processo de adoção. Para uma criança crescer com saúde mental e física, ela precisa ser muito amada. Ela não pode passar a adolescência num orfanato. É preciso dar um lar, uma referência afetiva e amparo intelectual. Uma pessoa bem sucedida pode dar esse amparo, independente da sua opção sexual.

O público quer refletir essa questão e a novela pode humanizar o debate sobre esse assunto. Assim pode ajudar a clarear para o grande público questões que ficaram estigmatizadas por um padrão social estabelecido. Se o público assiste todas as noites aos conflitos no Iraque, os problemas na África, os embates entre bandidos do tráfico e os reality shows, por que não refletir sobre algo lícito que é a adoção de uma criança?


THIAGO PICCHI

É saudável a discussão da adoção de crianças por um casal homossexual. Mas devemos ouvir os diferentes pontos de vista, caso contrário se torna uma imposição. Muitos dizem que uma criança precisa das figuras paterna e materna, mas conheço pessoas que foram criadas apenas pelo pai, ou pela mãe, e nem por isso se transformaram em desajustados. Antes de tudo uma criança precisa de amor, de afeto.

Os pais tem de entender que o preconceito é fruto da ignorância, mas não devem deixar de reclamar seus direitos. Preconceito hoje em dia dá cadeia. Por que o mundo não haveria de estar preparado para aceitar duas pessoas que se amam e que querem tirar uma criança do abandono, dando-lhe um lar, afeto e educação?

O Manoel Carlos não se limitou a falar da condição sexual de nossos personagens. O preconceito vem do medo do desconhecido. Ao mostrar nossos personagens como pessoas comuns, o autor joga um pouco de luz nesta questão. Não pesquisei todas as etapas do processo de adoção, prefiro fazer isso quando os personagens realmente tentarem adotar uma criança. Até agora todas as pessoas que me abordaram na rua se mostraram favoráveis à essa questão.

Ninguém foi hostil comigo e acho que isso se deve ao jeito sutil que o autor tem conduzido os personagens, a forma como estamos sendo dirigidos e ao fato de o público saber discernir a ficção da realidade. Se bem que algumas mulheres já passaram por mim dizendo: "Ai, que desperdício". Levo na brincadeira.

Fotos: Divulgação

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76199-6014-453,00.html / http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76198-5856-453,00.html

This entry was posted on segunda-feira, janeiro 22, 2007 .